sábado, 25 de fevereiro de 2017

Thirty-five years honey just one night

Ainda não thirty-five, mas quase.

Professora há 16 anos (sim, é uma direta para você, seu mala, que não gostou da pergunta que te fiz na Mesa-Redonda e se limitou a insinuar que, por ser jovem [risos convulsos], eu não conheço a realidade das escolas).
Voltamos aos parênteses?

Então uma noite ela sentou no meio da sala, as teias de aranha não eram imaginárias, uma taça de algo na mão e todas as suas memórias.
Ricoeur e Koselleck ficaram olhando de longe, presunçosos "você não nos leu o suficiente, não podemos ajudá-la".

Era verdade, ela não podia fazer nada a respeito.

Rüsen começou a racionalizar e tentou classificar as memórias, separando-as por categorias, uma a uma. Como crianças rebeldes, elas trocavam de lugar na fila assim que ele virava as costas. Fizeram tanta algazarra que o pobre senhor desistiu.

Para amenizar a confusão, ela decidiu sair para o pátio escuro. A noite na periferia é bem mais linda, talvez a fumaça chegue às estrelas.

Mas as memórias seguiam plantando bananeira, pulando, correndo, cantando, puxando pela barra da blusa dela, querendo chorar no seu colo, vomitando na sua taça, que ela atirou longe, mas não quebrou. Era de plástico?

Desejo de deitar no pátio sujo, olhos para o céu, o isqueiro competindo com as estrelas. Mas o que os vizinhos iriam dizer? Apesar de tudo, um pouco de bom senso lhe restava.

Halbwachs tentou segui-la, o conselho: essas memórias não eram só dela, mas ao dizer isso ele caiu num buraco. Pollak, que de subterrâneos entende, ficou para ajudá-lo.

Assman sentou ao seu lado, tentou consolar e organizou uma conversa em capítulos precisos com uma progressão didática perfeita que beirou ao enfado. Logo ela, que se orgulha da sua organização didática preciosa (sim, estou ciente das repetições, são intencionais. Não, não fica bom).

Ela a deixou falando sozinha. Bosi tudo observava de longe e tomava anotações.

Se ao menos fosse possível construir uma imagem precisa dessas memórias... Diabinhos a espetar o tempo todo?
Um palimpsesto?
A sensação não é de sobreposição.
A relação com os tempos é orgânica, como tintas que se misturaram ao acaso, mas que nunca originarão uma cor homogênea.
Mas mas mas mas mas mas
Cada toque, cada lugar, um cheiro, o fato de ver aquela casa de um jeito que ela nunca foi, voltar aos lugares com uma vida nova, reencontros, desencontros.
Penúria, ódio, impotência, incompetência,
brilho no olhar daquelas/es estudantes que disseram "você me ensinou algo que presta", daquela que se foi, dos que ela mandou embora, dos que quis por perto e nunca vieram.

Nietzsche, feito um corvo, olhava de longe, do telhado, aquela confusão toda. E ria.

Ela respirou fundo, deu a última tragada, não encontrou solução, foi pra casa.

Não é saudade, nem nostalgia (nostááálrria, como eles dizem lá, sempre achou mais bonito de dizer do que a nostalgía a la brasileña).

Não é querer voltar, não é utopia regressiva, não é apocalipse nau à deriva longe demais do cais do porto, nem perto do caos

Não é ausência nem presença

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Uma das coisas que mais gosto, quando viajo, são aqueles primeiros vinte minutos entre conferir compulsoriamente se deixei tudo desligado e fechado em casa, trancar a porta e entrar no táxi. Então, percorrer a cidade até o aeroporto ou a rodoviária.
A cidade passa pela janela do veículo sob um olhar de despedida e de saudade antecipada. Tchau, Porto Alegre. "Não me esqueça,  amigo. Eu volto".
Os olhos passam pelos cartazes de festas e shows que já foram há semanas, pelos motoristas irritados nos veículos ao lado, troco frases soltas com o motorista:
 - Não te preocupa com o trânsito, eu estou adiantada.
- Pela Castelo ou pela Farrapos?
- Pela Legalidade, por favor.
- Grunf. E a Avenida Getúlio Vargas, essa eles não mudam!
- Grunf.
Horas de sono entrecortado e são as paisagens dos meus Campos Gerais que se estendem logo após a escarpa devoniana.
- Motorista, posso descer no trecho? Logo ali depois do portal, da subida, da curva.
- Se não tiver bagagem...
- Não, só o peso da consciência e dois pés cansados descalzos sueños blancos.
Ponta Grossa, meu interior, dessa vez só  de passagem porque o destino final é Campinas. Da Mui leal e valerosa à Princesa dos Campos e desta à Princesa do Oeste.
Não imaginava voltar tão cedo a Campinas. Esqueci de trazer uma bolsa pequena, como vou fazer? Leva tudo na mão e pega um Uber?
- Driver, follow that car... I mean, motorista, me deixa no Centro de Convenções que eu vou lá rever umas pessoas que marcaram meu interior.
Fechando ciclos, a comemorar com os rituais, do jeito que tem de ser.
Será que é mesmo fato que a cada sete anos a gente muda de casca, feito serpentes?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Não mais no interior, mas ainda interiorana

Eu não consigo parar de ouvir Sonny Boy Williamson II depois que começo. E vocês?

Essa é uma tentativa de retomar esse blog.

Não sei se faz sentido:

1) não vivo mais no interior
2) não escrevo mais poesia
3) minha memória continua ruim
4) esqueci o que ia escrever no tópico 4

Deu vontade, não sei quantas postagens virão. Confesso que me sinto melhor aqui do que no Facebook, embora o Ibope seja menor...

Não conta pro Lattes. Dizem que é saudável.

Cinco anos se passaram desde a última postagem. Minhas asas tentavam voltar para o centro do meu mundo.

Há quase três anos vivo em Porto Alegre. Mas bah, tchê, para que tão longe? Para quem ama voar, lugar nenhum é longe demais.

Há alguns meses as asas desenroscaram de vez do azul molhado. Dois, talvez três anos tentando desenroscá-las. Na falta de algo melhor, bom... faltou-me coragem para fazer isso mais cedo. Logo eu, que nunca tive medo de nada e sonho com serpentes (ainda). Algumas penas encanecidas. É a vida.

Não é interior, pretendo escrever sobre Mi Poa querida. Desde a primeira sensação ao ver o pôr do sol da minha sala de trabalho, até a última conversa insólita ouvida no elevador, no ponto de ônibus, ou no aeroporto de Guarulhos.

Se tinha mania de usar parênteses a torto e a direito, parece-me que adquiri o costume de começar frases com "mas". Mas vou dar um jeito nisso, mais cedo ou mais tarde.

A foto é vista da janela do meu lugar de trabalho, em 2017. Acervo pessoal.