quarta-feira, 24 de março de 2021

outono em porto alegre

 não sei se é cansaço de estar triste

ou se é cansaço de ter que fazer esforço pra ficar alegre

mas é cansaço


para bloch, o princípio do princípio esperança é a fome

antes havia esperança

agora, fome


pelo menos,

há fome

ainda

quinta-feira, 4 de março de 2021

instável

 Lá embaixo, treze andares abaixo, um senhor caminha pela calçada irregular.

Camiseta azul, bermuda cinza e uma sacola plástica na mão direita.

Caminha arcado, lento, instável. Parou diante de um portão, testou a fechadura por alguns instantes. Não funcionou: não era ali a casa dele.

Andou mais um pouco e virou a esquina.

Eu o perco de vista e outras pessoas, mais ágeis, passam pela mesma calçada.

Será que estava perdido?

Por que ele tem que sair de casa nessa pandemia horrenda, e sair sozinho?

E se ele cair na rua?

E se ele não achar mais a sua casa?

sábado, 20 de fevereiro de 2021

fantasma

um fantasma pela casa

frases sem verbo

pijama ensebado 

mas o drink bem-feito na taça

Well done, Caroline


cansaço 

cabeça e corpo sem forças 

nem desistir nem tentar

que pesada a alma

pesada e opressiva

como o cansaço que sinto

como o verão em Porto Alegre 


amanhã já passou



quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

hello

 hello darkness my old friend


ao redor, abismo

pra dentro de mim, abismo

lá fora, talvez, um raio de sol


o que dá coragem é a negação do limite?

mais com menos dá mais

menos com menos dá mais


spinoza entendia de matemática?

a essência do ser é fomentar a vida


é só mais um dia, mais um dia

só mais seis capítulos

uma reunião

duas refeições

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

o mar

 eu ainda quero o mar

mas só vai ter palmeiras onde canta um sabiá

e uma menininha

um bebê

e um velho


nesse momento, eu deveria estar escrevendo um texto em homenagem ao Joan

eu tenho um prazo

(um prazer um estrago)


leminski tinha razão, parar dá azar.

Joan se foi

eu não quero pensar o que estou pensando

nem quero escrever


domingo, 20 de dezembro de 2020

não tem fim

necessário silêncio 

que nada, solidão

nada adianta, nada

nada muda, nada


E quem sabe ele tá pior, mesmo

distúrbio, desequilíbrio, distração indesejada

sufoco

nem era pra eu estar aqui

e aqui é qualquer lugar


que venha a tristeza hoje

não faz mal

uma solidão alcoólica adolescente de quando em quando

e seguem as curvas da estrada 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

com todo o direito a sê-lo

já disse que não quero nada, mas quero tudo

por mar por terra ou via embratel

but i'm all right i've been lonely before


será que vem o sono?

não há redenção, ela disse

nós mesmos nos colocamos esses pesos nas costas

sísifas voluntárias

competindo para ver quem rola a pedra mais pesada

ano que vem é só um ano, é mais fácil

porra, isso é o básico, não é mais fácil, 2020 é que foi tudo errado

tudo tudo tudo


ou quase tudo

porque tem uma estante nova

tem discos e livros

tem amigas e uma gata

minha sanidade mental

e eu parei de fumar

pinot noir rosé não faz o menor sentido, mas deu pro gasto essa semana


se nada faz sentido há muito o que fazer


não tô cansada de ser forte

afinal, nunca conheci quem tivesse levado porrada

Estou Pessoa ultimamente

quero ler tudo

tudo tudo tudo

não sou vil

talvez as olhos de alguém, paciência

só um pouco de


help me, Fernando

ou não

não quero nada

já disse que não quero nada

vão para o diabo


LISBON REVISITED

                 (1923)

Não: não quero nada

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

voa

 barquinho que vai

barquinho que chega 

É a festa das gaivotas



quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

feita

 o vento que sustenta a borboleta

e a borboleta com asinhas desajeitadas

ser ambos, na imanência

o fundo do lago, a água, a superfície

o salto, o mergulho, o vôo


terça-feira, 1 de dezembro de 2020

feliz aniversário

 


feliz aniversário, dona Zeni

lembro de você assim, dias de sol

praia das laranjeiras

caipirinha

eu no mar

nós na estrada

amy na cama

o medo no telhado

mas se juntas já causa imagina juntas

sorrio imaginando como seria te explicar um meme

abrir tua conta no instagram

e trocar zap contigo de manhã

olha, mãe, fiz uma moranga recheada hoje

"filha, mas por que você faz tudo com a mão trocada?"

eu sinto saudades de você, sabia?