sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

com todo o direito a sê-lo

já disse que não quero nada, mas quero tudo

por mar por terra ou via embratel

but i'm all right i've been lonely before


será que vem o sono?

não há redenção, ela disse

nós mesmos nos colocamos esses pesos nas costas

sísifas voluntárias

competindo para ver quem rola a pedra mais pesada

ano que vem é só um ano, é mais fácil

porra, isso é o básico, não é mais fácil, 2020 é que foi tudo errado

tudo tudo tudo


ou quase tudo

porque tem uma estante nova

tem discos e livros

tem amigas e uma gata

minha sanidade mental

e eu parei de fumar

pinot noir rosé não faz o menor sentido, mas deu pro gasto essa semana


se nada faz sentido há muito o que fazer


não tô cansada de ser forte

afinal, nunca conheci quem tivesse levado porrada

Estou Pessoa ultimamente

quero ler tudo

tudo tudo tudo

não sou vil

talvez as olhos de alguém, paciência

só um pouco de


help me, Fernando

ou não

não quero nada

já disse que não quero nada

vão para o diabo


LISBON REVISITED

                 (1923)

Não: não quero nada

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

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