já disse que não quero nada, mas quero tudo
por mar por terra ou via embratel
but i'm all right i've been lonely before
será que vem o sono?
não há redenção, ela disse
nós mesmos nos colocamos esses pesos nas costas
sísifas voluntárias
competindo para ver quem rola a pedra mais pesada
ano que vem é só um ano, é mais fácil
porra, isso é o básico, não é mais fácil, 2020 é que foi tudo errado
tudo tudo tudo
ou quase tudo
porque tem uma estante nova
tem discos e livros
tem amigas e uma gata
minha sanidade mental
e eu parei de fumar
pinot noir rosé não faz o menor sentido, mas deu pro gasto essa semana
se nada faz sentido há muito o que fazer
não tô cansada de ser forte
afinal, nunca conheci quem tivesse levado porrada
Estou Pessoa ultimamente
quero ler tudo
tudo tudo tudo
não sou vil
talvez as olhos de alguém, paciência
só um pouco de
help me, Fernando
ou não
não quero nada
já disse que não quero nada
vão para o diabo
LISBON REVISITED
(1923)
Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!