Hoje precisava tanto falar com você da raiva represada, das coisas que eu queria (devia) ter dito.
A raiva ficou presa. Às vezes ela sobe, parece que domina, mas vem de todos os lados o conselho prudente: "não vale a pena".
Acontece que com você eu poderia falar tudo isso. Você iria entender. Passou por situações semelhantes, até piores.
Eu poderia dizer a você o que só pensei duas ou três horas depois, como sempre acontece. Talvez você me explicasse porque eu só sei brigar com quem eu gosto de verdade. Por que razão imbecil (existe isso?) eu não consigo reagir à altura quando me sinto agredida.
Talvez, nessa conversa que nunca acontecerá, por fim nos identificássemos como mulheres, como iguais. Talvez você desistisse da sua desistência em ser feliz. E eu enxergasse com mais clareza a ânsia de ser livre, apesar de escolher o amor.
Será que, ao contar esse fato tão mesquinho, eu choraria diante de você? Será que nos abraçaríamos, solidárias aos sofrimentos de mulheres pretensamente independentes? Não creio...
Conversaríamos, racionalmente. A raiva sairia pelas palavras. O consolo viria da razão, não do abraço.
Você é a única mulher no mundo a quem eu poderia contar o que aconteceu.
Desta vez você não veio nos meus sonhos. Chegou na hora certa, no dia, na lucidez. A falta foi palpável, visível, dolorida.
É fim de tarde, todas as linhas dizem a mesma coisa, a raiva prende. E eu não posso falar com você.