segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Sobre a falta

Há diferentes formas de sentir falta. Sinto falta dela, é verdade. Mas diferente. Imagino se ela iria gostar de ver a pessoa que sou hoje.

Essa figura que só sou porque ela se foi. A adolescente tardia e egoísta de repente perdeu a memória e teve de se recriar. Nada a ver com uma fênix. Muito longe disso.

Só diferente. Ainda sinto falta dela.

Eu sonho, com frequência, que tenho de passar por obstáculos. Sueño con serpientes (gracias, Mercedes) e não sei derrotá-las.

Ela vem, mostra-me como matá-las. Ensina-me como passar roupa e me ajuda a fechar incontáveis janelas daquela casa antes que chegue a tempestade.

Deve ser por isso que a memória me falta com tanta frequência. Outras pessoas vieram e ocuparam novos espaços,  mas ali está a falta, o eco, a ausência, o nada.

Não é tristeza. Lembrei até de um poema que eu costumava saber de cor - mas a memória me falta, nos últimos anos:

AUSÊNCIA

  Vinícius de Moraes

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces.
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada.
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

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